© Fernando Maia da Cunha - Photography / fernandomaiadacunha@gmail.com
Cacos de memória vida partida
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Os chãos feitos de cacos, muito característicos dos subúrbios brasileiros, têm origem na impossibilidade financeira dos imigrantes portugueses de comprar os azulejos inteiros. Eles pegavam os cacos que sobravam das fábricas e usavam como decoração de suas casas. Da mesma forma, impossibilitados de acessar as lembranças em sua plenitude, construímos uma noção do passado baseada em cacos de memórias e esquecimentos.
Cacos de imagens-memória, espaços vazios preenchidos por uma argamassa que tenta juntar peças diferentes, um pedaço de muro arrancado de sua estrutura. Assim sou eu, assim são minhas memórias, assim construí minha identidade. Após o exílio da minha família de sete anos na Albânia por conta do regime militar brasileiro, fui morar na casa da minha vó no subúrbio carioca, com um quintal enorme decorado de cacos de azulejo.
Foi assim que se deu essa passagem, essa ruptura. Era um retorno aguardado ansiosamente pelos meus pais para a sua terra, mas era o início de um exílio da minha, já que havia ido para a Albânia com 3 meses. Mudar de país, de língua, de nome, de casa, de amigos e de identidade - antes Fernando, agora Carlos José - é quebrar-se e reconstruir-se a todo momento. A proposta do projeto “Cacos de memória, vida partida” é exibir o pedaço de muro apoiado em um totem ou base de madeira, mas, se não for possível, expor as fotos do objeto em vários ângulos.
Após selecionar 10 imagens dos meus álbuns de família, fotografei e sublimei as imagens em azulejos. Em cacos amarelos, coloquei as imagens das memórias antes de chegar ao Brasil. Nos cacos vermelhos, estão as memórias logo após chegar ao Brasil. Deixei apenas um caco preto que representa as memórias subterrâneas que nem eu e nem minha família temos coragem de acessar. Depois disso fui quebrando cada azulejo, tentando preservar as imagens, mas deixando, como na vida, o acaso ir definindo as rupturas. Com pedaço de muro retirado dos restos de uma construção após passar argamassa, fui como os antigos imigrantes portugueses colando os cacos.