top of page
Fissura_2.jpg

© Fernando Maia da Cunha - Photography /  fernandomaiadacunha@gmail.com

Fissura: Entre o Esquecimento e a Memória

Há uma força contida no ato de fissurar. Não é o desejo de destruir, mas a vontade de abrir o que se oculta, de criar espaços de vulnerabilidade na superfície lisa das coisas. A fissura é um gesto deliberado, um convite ao que se esconde nas dobras da memória. Ela rasga e expõe, mas, paradoxalmente, protege. Nos interstícios abertos por essas rupturas, surgem os vestígios do que foi esquecido, do que se desvaneceu no tempo. É ali, nesses espaços de limiar, que a imagem e a identidade se encontram e se desencontram, num jogo de revelar e esconder. A fissura é a marca da passagem do tempo sobre nós, é o rastro daquilo que a memória não consegue sustentar por completo.


As fotografias, os documentos, os álbuns familiares se tornam testemunhos frágeis dessa colisão de tempos e espaços. Durante os sete anos de exílio na Albânia, enquanto o regime militar brasileiro moldava a geografia da vida, a câmera capturava pedaços de uma narrativa que se fragmentava a cada click. Essas imagens, agora revisitadas, não são mais o que eram. Elas carregam, nas suas fissuras, uma verdade desdobrada, multiplicada. A realidade vivida na Albânia transformou-se numa ficção onde Paris e Roma são os novos territórios do imaginário familiar. O álibi de proteção não é só uma reinvenção da memória, mas uma forma de escavar e ressignificar o passado, abrindo fendas nas certezas da história e do tempo.


Nas viagens de retorno, em 2018, à Albânia, Roma e Paris, o reencontro com esses lugares se deu através do olhar da fissura. Não se trata apenas de reviver, mas de reconfigurar os fragmentos de identidade e lembrança, sondando o que ficou esquecido nas rachaduras da memória. A identidade, como as fotografias, se forma e se desforma nesses espaços de ruptura, onde o que foi vivido e o que foi inventado coexistem. A fissura é, assim, a chave para entender a narrativa de quem somos: não um todo contínuo, mas um campo de rachaduras onde a memória lembra e esquece, se rompe e se protege.

​

​

bottom of page